CARTA DE PERNAMBUCO: PARTILHANDO SEMENTES E CONHECIMENTOS

Nós 120 agricultoras e agricultores, comunidades quilombolas, movimento sindical, movimento de mulheres, associações comunitárias e representantes das organizações que compõem a Articulação do Semiárido Pernambucano (ASA-PE), reunidos no II Encontro Estadual de Sementes Crioulas de Pernambuco: Partilhando Sementes e Conhecimentos entre os dias 20 e 21 de setembro de 2017, na cidade de Triunfo, Sertão do Pajeú, representando mais de 40 municípios de nove territórios do Estado de Pernambuco, reiteramos o nosso compromisso com a luta por um Semiárido Vivo, pela Agroecologia, pela Vida das Mulheres, pelas Sementes Livres e pela manutenção dos nossos Direitos. Entre rodas de diálogos, partilhas de sementes, experiências e conhecimentos, reconhecemos o Programa Sementes do Semiárido como a maior e principal iniciativa de promoção da agrobiodiversidade da agricultura familiar já financiada por governos em parceria com a sociedade civil, tendo a ASA como nossa maior expressão. Reconhecemos que o Programa valoriza e dá visibilidade ao papel das mulheres como guardiãs das sementes e historicamente responsáveis pela adaptação de sementes para a agricultura; promove a soberania e segurança alimentar dos povos, redesenhando sistemas agroalimentares mais resilientes; contribui para a proteção dos conhecimentos e da diversidade de sementes vegetais e animais; e, contribui para a construção social de mercados de proximidade. Refletimos que passado um ano do golpe parlamentar e midiático na democracia de nosso país, sentimos as perdas de Direitos e Conquistas com a extinção das instituições públicas responsáveis pela gestão das políticas para a agricultura familiar, mulheres, juventudes, povos indígenas e comunidades tradicionais, entre outras. Com destaque para a extinção do MDA e da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais, da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, Secretaria Especial de Política para a Juventude, e o sucateamento da Fundação Palmares e da Funai. Preocupa-nos as diversas iniciativas de proposições e mudanças de leis que estão sendo protagonizadas pelo Congresso Nacional cujas iniciativas ameaçam nossos direitos, nossas conquistas sociais e nossa Soberania nacional, ao mesmo tempo em que aumentam os índices de fome no Brasil e a violência no campo em função dos conflitos pelo direito ao território. No momento em que o Programa 1 Milhão de Cisternas recebeu no último dia 22 agosto, na China, o segundo lugar no Prêmio Internacional de Política para o Futuro 2017, da organização alemã World Future Council em parceria com a ONU – Organização das Nações Unidas chega ao nosso conhecimento os cortes no volume de recursos para as politicas de Convivência com o Semiárido, como o Programa Cisternas, quando o direcionamento dos poucos recursos existentes é para os governos estaduais, sem construção de compromissos com a sociedade civil, por parte do governo federal. Preocupa-nos o aumento dos índices de fome na América Latina e no Brasil, nos últimos dois anos, como resultado de politicas econômicas que cortam investimentos públicos em programas sociais, de redistribuição de renda e para a agricultura familiar como o PAA, ATER, Reforma Agrária, Educação no Campo, politica de Mudanças Climáticas, entre outras, quando as medidas econômicas do atual governo só têm favorecido os empresários do agronegócio e setores do capital financeiro como os bancos. Ao mesmo tempo em que vimos com indignação o aumento dos índices de fome, de miséria e de violência no campo e nas cidades, com destaque para o aumento dos casos de violência contra as mulheres e as juventudes. Nesse âmbito destacamos a importância de construirmos estratégias de enfrentamento e superação da violência contra às mulheres em suas diferentes dimensões: física, psicológica, moral, patrimonial, impactando as vidas das mulheres no campo seja em suas casas, seja nos seus quintais e nos espaços de participação política. A divisão justa do trabalho doméstico e de cuidados se apresenta como um caminho para a superação das desigualdades nas relações familiares marcadas pelo patriarcado. Por isso, reafirmamos o compromisso com a campanha Pela divisão justa do Trabalho doméstico: direitos são para homens e mulheres e responsabilidades também, promovida pela Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste que nos provoca à discussão e à mudança de práticas nas relações humanas. Para nós, há uma grande diferença entre o modelo de mercantilização da natureza que é o do agronegócio, baseado somente na produção dos lucros e o da Agricultura Familiar que produz alimentos, conserva a agrobiodiversidade e promove o rompimento de paradigmas para a construção de uma sociedade inclusiva, solidária e com direitos iguais para todos e todas. A partir da diversidade de experiências e de um conjunto de iniciativas no nosso estado, afirmamos que as variedades de sementes crioulas são fundamentais para a autonomia das famílias agricultoras. Com suas sementes elas podem escolher e decidir o que plantar, multiplicar, guardar, comer e vender. Além disso, as famílias estabelecem sua independência em relação ao mercado de sementes híbridas e transgênicas, controladas pelas multinacionais, e independentes também da distribuição de sementes por meio de programas de governo. Dessa forma, reafirmamos que para preservação desse patrimônio genético, manutenção da biodiversidade e garantia dos direitos dos povos do Semiárido Pernambucano, é necessário e exigimos como direto nosso: 1. Que Congresso Nacional aprove a Lei Orçamentária Anual de 2018 assegurando recursos para manutenção das políticas e programas de Convivência com o Semiárido e para a Agricultura Familiar, compatíveis com as demandas apresentadas pelos movimentos, redes e organizações da sociedade civil; 2. Que o Governo de Pernambuco construa no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável/PE as condições legais para que as sementes do programa de distribuição de sementes do estado sejam compradas dos agricultores e agricultoras familiares e não de empresas; 3. Que a Assembleia Legislativa e o Governo do Estado trabalhem em dialogo com as organizações da sociedade civil para imediata Regulamentação da Lei 14.922/2013 que institui a Política Estadual de Convivência com o Semiárido, e o imediato cumprimento do seu Artigo 3°, a saber: a adoção, no Programa de Distribuição de Sementes do Governo do Estado, de estratégia de implantação de Bancos de Sementes Comunitários, incentivando-se a produção de sementes crioulas, com gestão sob responsabilidade das organizações sociais comunitárias (associações), como forma de promover a recuperação e a ampliação do patrimônio genético, adaptado às condições do Semiárido; 4. Seja construído no âmbito da Secretaria Executiva de Agricultura Familiar – SEAF um amplo debate entre governo estadual e sociedade civil para elaboração de uma política estadual de Sementes Crioulas, reconhecendo o papel das mulheres como guardiãs e o papel dos jovens na sucessão da agricultura familiar; 5. Que o recurso público do Estado de Pernambuco não seja utilizado para compra, nem para pesquisa de sementes hibridas e/ou transgênicas, mas investidos em pesquisas participativas que promovam o resgate, mapeamento e capacidade de resistência do patrimônio genético em Pernambuco; 6. Garantir a Assessoria Técnica Agroecológica gratuita, de qualidade e com tempo mínimo de cinco anos, na perspectiva do desenvolvimento sustentável local; 7. Que os governos Federal e Estadual assegurem com prioridade recursos para continuidade dos Programas de armazenamento de água da chuva para produção de alimentos, de sementes e dessedentação de pequenos animais, assim como a continuidade do Programa Sementes do Semiárido, garantindo o dialogo com as organizações da sociedade civil na gestão dos programas; 8. Que a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária – SARA assuma o compromisso politico e financeiro de fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e implementar o PAA Sementes no estado, desburocratizando o programa e incentivando o seu acesso para pequenas associações rurais de agricultores e agricultoras; 9. Que a Secretaria de Educação do Estado crie mecanismos de fiscalização e exigibilidade para que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) seja cumprido a rigor em todos os municípios de Pernambuco, priorizando a agricultura familiar de base ecológica. 10. Implementar equipamentos públicos como, delegacia de mulheres, centro de acolhimento, entre outros, para garantir a segurança da vida das mulheres. Para promover o fim da violência no campo e na cidade em todos os municípios de Pernambuco. Para garantir o nosso patrimônio genético e cultural, nossas praticas e conhecimentos ancestrais, se faz necessário o investimento de recursos públicos. Nesse sentido aguardamos um posicionamento do Congresso Nacional, do governo Estado de Pernambuco, por intermédio de suas secretarias e órgãos competentes, sobre nossas reivindicações. Pelas Sementes Patrimônio dos Povos do Semiárido. Nenhum Direito a Menos! Pela Vidas das Mulheres. Nenhum Direito a Menos! Pela Agroecologia. Nenhum Direito a Menos! Pela Convivência com o Semiárido. Nenhum Direito a Menos! Triunfo, 21 de setembro de 2017.

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