Partilha do saber e da semente Guardiões e guardiãs de sementes crioulas compartilham a diversidade e o conhecimento das suas sementes no V ENAE

Por Elka Macedo – ASACom

Guardiãs e guardião de todo o Semiárido participar | Foto: João Marcos

No Juazeiro do Padim Ciço, estava nublado e bonito pra chover quando centenas de agricultores/as guardiões/as de sementes estavam com as variedades expostas em mesas e prontas para serem trocadas e doadas neste dia 13 de fevereiro. Milho branco, feijão corujinha, fava orelha de vó, gergelim do branco e do preto, mucunã, maniva eram algumas das espécies que os/as agricultores/as trouxeram dos 10 Estados que compõem a região Semiárida brasileira para a II Feira das Sementes do Semiárido com o tema “guardiões e guardiãs da biodiversidade cultivando vidas e resistência”.

Gerlande Romão é guardiã e veio da cidade de Flores (PE) para partilhar a fava-preta, feijão-preto, feijão-de-porco, o sorgo, gergelim e milho do sabugo fino. Quando questionada sobre a semente que mais gosta ela responde rápido: “a semente que eu mais gosto é o feijão-de-porco porque é a semente que trouxe renda para a minha família e alimento para os meus animais. Eu guardo essa semente desde 2014 quando iniciei a minha agrofloresta”. Ela recorda de quando não tinha conhecimento sobre a importância da semente crioula. “Antes a gente plantava transgênico e agora eu me apaixonei pelas sementes crioulas e pelo resgate das sementes. E já evolui bastante e já até recebi intercâmbio”, fala animada.

Além das sementes, a troca das experiências acontece naturalmente no espaço. Junto com a semente adquirida, o guardião e a guardiã explicam como plantar, quando colher, como armazenar. A prática do alimentar a terra e se alimentar do que a terra dá é cíclico e caro para quem sabe o valor do alimento. Maria de Fátima veio de Itapipoca (CE) e mesmo não trazendo a semente vai levando pelo menos duas variedades para multiplicar. Ela conta que em outras feiras já pegou semente, plantou e multiplicou. “Na última [feira] eu trouxe algumas sementes minhas e troquei. E das que eu recebi eu já multipliquei. Eu encontrei com a agricultora que eu tinha trocado e aí ela perguntou se eu tinha conseguido produzir. Aí eu disse que sim. No meu quintal eu plantei a semente de feijão branco irrigado e já colhi e já doei pra outras pessoas e guardei na minha casa de sementes”.

Dona Fátima diz ainda que a prática de armazenar as sementes passa de geração em geração em sua família. “Eu guardo sementes porque eu acho muito importante as sementes crioulas. Desde criança eu nunca plantei semente de transgênico. Sempre plantei crioula que vem desde o meu avô, do meu bisavô e eu permaneço com esse saber que essa é a semente principal que a gente pode plantar e guardar”, relatou. Já a agricultora Celma Gois que mora no sertão sergipano, explica que embora seus antepassados tenham plantado a semente crioula, ela está tentando resgatar a cultura porque perdeu o patrimônio que tinha por conta da estiagem.

“Com sete anos de seca que está na minha região eu perdi a minha semente original que a gente sempre guardou. Aí eu estou agora na mão do atravessador, mas eu vou fazer meu banco de sementes aos poucos e vou resgatar a semente crioula que faz parte da minha história como agricultora”, diz com firmeza.

Como não tinha semente pra trocar, ela presenteou as pessoas que doaram com a sua história em forma de boletim. “Tô iniciando agora e pra eu não só pedir eu também troquei pelo jornal O Candeeiro. Eu adquiri muitas variedades e a que mais me chamou atenção foi o gergelim preto, mas eu consegui abóbora gigante, milho do ligeiro, feijão-de-corda e dois pedaços de maniva de macaxeira e assim eu já estou com um pacote de sementes que já vai dar pra eu começar a fazer o meu banco de sementes”, planeja. Essa é a primeira feira de sementes que Dona Celma participa e diz que ficou fascinada com o tamanho do evento.

Para além das sementes que produzem alimento para a mesa, a feira contou com a presença de guardiões de sementes da caatinga, e é assim que se identifica o agricultor José Soares. Ele mora numa comunidade quilombola no município de Valença no Piauí. “A gente veio com uma imensa variedade de sementes. A gente trouxe da semente de hortaliça, de leguminosas e também as sementes nativas e algumas medicinais. A gente está tendo aquele cuidado de resgatar a semente e fazer as distribuições e multiplicação das sementes nativas através das feiras. Eu acho que essas feiras são uma grande oportunidade para o agricultor. Essa experiência de sementes veio para ficar porque além do conhecimento que você tem como dividir com outros estados, tem a oportunidade de multiplicar aquilo que você cuida”, salienta.

Defensor do meio ambiente, José é apaixonado pelas plantas nativas da caatinga. “As sementes que eu gosto mais e me preocupa mais são as sementes nativas porque a gente ultimamente tem agredido muito o meio ambiente, e poucas casas estão trabalhando com essa parte”. Guardiões e guardiãs da biodiversidade são estes agricultores e agricultoras que têm contribuído para a manutenção da vida no planeta e a preservação dos biomas.

 

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