Sabores do Semiárido

A identidade alimentar do Semiárido é importante para a saúde, economia e cultura da região Daniel Lamir – Assessor de Comunicação da ASA Brasil Grupo de Mulheres da Agrovila Nova Esperança fazendo o beneficiamento do umbu Existem vários sentidos que afirmam a convivência com o Semiárido. O paladar é um deles. Através da segurança e soberania alimentar, famílias camponesas da região estão agregando novos valores aos alimentos da terra. A culinária no Semiárido reserva espaço para a criatividade, a alimentação saudável e o talento empreendedor. Bem antes do atual reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU), a agricultura familiar camponesa é protagonista no combate à fome no mundo. No Semiárido, por exemplo, na década de 1940, Josué de Castro já identificava o que mais tarde seria definido como a segurança alimentar da região. Na obra clássica Geografia da Fome, o autor define a região como um espaço de “perfeito equilíbrio alimentar, num estado de nutrição bastante satisfatório”, inclusive para os períodos sem chuva. Porém, na passagem das décadas, o cenário do Semiárido não ficou imune às estratégias de mercado da padronização alimentar. Dados sobre alimentação e nutrição fornecidos pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 apresentam índices preocupantes e contraditórios de fome, obesidade e desperdício alimentar. Diante desta situação, uma conclusão pode ser afirmada sem medo de equívocos. É preciso ampliar os espaços de criação da diversidade culinária do Semiárido. Valorizar o potencial nativo é um dos caminhos para garantir uma alimentação adequada e sadia. Em Ouricuri (PE), a agricultora Luciana Costa, da agrovila Nova Esperança, afirma que, no local, a desnutrição é combatida há anos através da conhecida multimistura. O alimento é composto por milho, amendoim, gergelim, sementes de abóbora e melancia e folhas da caatinga. Luciana faz parte do Grupo de Mulheres da Agrovila Nova Esperança e, com outras sete integrantes, comercializa diversas receitas locais para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal. Luciana (à esquerda) prepara a polpa de umbu junto com as companheiras do Grupo de Mulheres de sua comunidade Luciana lembra ainda que além de oferecer um cardápio variado e rico em nutrientes, as atividades geram um lucro satisfatório ao grupo. A agricultora lamenta apenas as previsões deste ano para a comercialização do umbu e seus derivados: “Acho que esse ano vai ser fraco, a gente ainda não colheu nenhum umbu. A gente está beneficiando alguns [umbus] do ano passado”. Mas, dentro da diversidade climática da região, o umbu pode apresentar diferentes perspectivas. Há cinco anos, Marilda dos Santos fazia parte de um grupo de 13 mulheres que vendiam doces de umbu em escolas do município de Manoel Vitorino (BA) “para não depender do Fome Zero, sair da mesmice e ter renda estável”. “O valor que o umbu tinha era apenas do pessoal balançar para derrubar [o fruto] e dos meninos que vendiam nas barracas em beira de estrada”, lembra a hoje presidenta da Cooperativa de Produção e Comercialização dos Produtos da Agricultura Familiar do Sudoeste da Bahia (Cooproaf), Marilda dos Santos. A organização foi fundada em 2010 e produz cerca de 40 pratos derivados do umbu. O beneficiamento do umbu inclui cupcakes, rocamboles, picolés e tortas e gera renda direta a 77 cooperados, sendo 63 por cento deste quadro formado por mulheres. “A potencialidade de produção [de umbu] aqui é muito grande. Falta o pessoal aproveitar melhor. Hoje, aqui no município, só existe a Cooproaf que agrega valor ao umbu”, destaca Marilda. Até mesmo as condições de armazenamento do umbu facilitam as atividades de comercialização. A presidenta da Cooproaf alega que os frutos podem permanecer por até um ano dentro de baldes, sem a utilização de nenhum insumo químico. Além da utilização do umbu, a cooperativa planeja aumentar a comercialização do maracujá do mato. O crescimento rápido da Cooproaf não estagnou. No próximo dia 07 de março, a organização vai inaugurar uma unidade no município de Mirante (BA). Em Serra Talhada (PE), um tempero entrou para a lista de sucessos da feira agroecológica local (FAST). Aos sábados, a barraca da agricultora Maria Alexandrina, mais conhecida como dona Xanda, disponibiliza verduras e hortaliças na FAST. A preocupação com a saúde dela e dos fregueses, aliada à habilidade para plantar e preparar alimentos orgânicos, está resultando na grande procura da pasta de alho na feira. Dona Xanda mora no assentamento Barra Nova, em Serra Talhada | Foto: Kátia Gonçalves O “segredo” do disputado produto está no quintal da casa de dona Xanda. Ela plantou um pé de manjericão oferecido por uma freguesa. Apesar do incentivo da freguesa, de início, dona Xanda não acreditou muito na comercialização do tempero. “Eu plantei e quando o manjericão já estava grande, eu comecei a fazer o tempero para mim e para minha família. Depois uma vizinha minha almoçou comigo e ela disse: ‘eu quero desse tempero que você faz’. Eu comecei a fazer e entregar lá mesmo na vizinhança. Depois eu levei para a feira porque já tinha gente que me pedia lá. Levei um pouquinho e já está aumentando. Nesta semana vou ter que aumentar mais”, alega a agricultora. Em Senador Pompeu (CE), o casal Eduardo Lopes e Geny Lopes confirma importantes estratégias de comercialização e valorização dos alimentos através dos números. Dona Geny alega que, apesar de ter estudado pouco, sempre gostou de matemática. Em 2001, ela participou do Projeto Família, na época, realizado pela Cooperativa Rural de Gestão Inovadora (Corgil) e teve acompanhamento em contabilidade. Hoje dona Geny “dá uma aula” em contabilidade e, através dos balanços anuais e acompanhamento permanente da produção, confirma as boas estratégias de convivência com a região. Ela dispensou a bovinocultura por causa de dois anos seguidos “no vermelho” e fez cálculos que confirmam a necessidade de variação de culturas de frutas e de como deveriam ser os investimentos na apicultura, avicultura e suinocultura, além do beneficiamento de alimentos. “Faço a ficha de controle da ração, de controle de custo, fechamento de lote por mês, controle de caixa, fluxo de caixa e no final do ano tem o balanço anual, que é um resumo geral do que entrou e do que saiu, de quanto tem de estoque. Isso tudo para que você saiba a atividade que está gerando uma receita positiva e a que está gerando uma receita negativa”, declara a agricultora.   *Este texto contou com a colaboração da rede de comunicação da ASA. Participaram da produção: Alan Lustosa, Elaine Dias, Elka Macedo, Helen Santa Rosa, Kátia Gonçalves, Flávia Carvalho, Luciana Rios, Mayara Albuquerque, Monyse Ravena e Renata Lourenço.

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