Caatinga participa de conferência da ONU, na China, apresentando experiência de combate à desertificação

Durante a conferência, ação da ASA, rede que o Caatinga faz parte, conquistou o segundo lugar no prêmio Política para o Futuro, em nível mundial. Paulo Pedro, coordenador geral do Caatinga  | Foto: arquivo pessoal No mês de setembro, o Caatinga participou em Ordos, na China, da 13ª edição da Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), com a participação do coordenador geral da instituição Paulo Pedro de Carvalho. A Conferência reúne representantes da sociedade civil, empresários, organizações e governos de todo o mundo. Paulo Pedro esteve na COP levando a experiência das ações concretas de combate à desertificação e melhoria da qualidade de vida de famílias do Semiárido brasileiro para ser partilhada com outras quase 200 nações. Durante a convenção, a experiência do Programa Cisternas, iniciativa da sociedade civil apoiada pelo governo brasileiro, conquistou o segundo lugar no prêmio Política para o Futuro (Future Policy Award) como uma das mais eficazes medidas mundiais para se combater a desertificação do solo e suas graves consequências sociais. Na entrevista que segue, Paulo Pedro fala da experiência em participar de mais uma COP representando as ações da sociedade civil brasileira, da importância da premiação recebida pela ASA, e da experiência em estar no Oriente, do outro lado do mundo. Caatinga – Como foi a experiência de participar desta COP como um dos representantes da experiência da sociedade civil brasileira? Paulo Pedro de Carvalho – A participação do Catinga como membro da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é muito positiva. Porque aqui no Semiárido temos uma experiência apontando o rumo da convivência promovendo a agroecologia e garantido que as pessoas possam estar cada vez mais preparadas para as adversidades do clima, cuidando do solo, da água, do meio ambiente, produzindo alimentos saudáveis para toda população e gerando renda digna para as famílias camponesas. A sociedade civil brasileira sempre foi uma referência para a ONU nesse trabalho concreto que realmente vem combatendo à desertificação. Para nós do Caatinga, e da ASA, é importante estar em um evento internacional onde também estão presentes quase 200 países entre organizações da sociedade civil, governos e organizações da cooperação internacional. Lá, podemos intercambiar conhecimentos e também divulgar nosso trabalho. A gente contribui com a convenção com a nossa experiência aqui no Brasil. Da América Latina e Caribe tínhamos sete países presentes e tivemos vários momentos de troca e nos unindo para fazer a apresentação. Apresentamos, em uma Sessão de Diálogo Aberto com as Organizações da Sociedade Civil, a experiência da ASA como representativa da América Latina e Caribe. Caatinga – Como foi a experiência de estar na China, um país oriental, com dinâmicas diferentes da nossa? Paulo Pedro – Foi um desafio grande, mas bom. A gente fica cheio de curiosidades com uma cultura muito diferente da nossa. Senti os chineses como um povo muito acolhedor. Eles trabalharam pesado para recebe esta COP. Das quatro edições da Conferência que já participei, foi a que achei mais organizada. Ordos é uma cidade de dois milhões de pessoas, muito organizada, onde podíamos caminhar pelas ruas à noite e com trânsito tranquilo e comércio amplo. Ela ficou conhecida como “cidade-fantasma” porque foi planejada com grande infraestrutura e a previsão de chegada não atingiu as expectativas de ocupação, que foi planejada parece que para 4 milhões de pessoas. Você percebe que não tem tanta gente quanto poderia ter. Ela tem avenidas bem largas, vias para ciclovia, para pedestre, com calçadas com sinalização para pessoas com deficiência visual, muitos parques urbanos, bastante arborizada e ornamentada de flores. Mas também me pareceu muito artificializada, e lá é bem quente, tem desertos próximos, com temperaturas que chegavam a quase 40 graus de dia, bem seca, e a noite a temperatura caia pra menos de 20 graus. Caatinga – O Programa Cisternas, ação construída entre a sociedade civil, representada pela ASA (rede que o Caatinga constrói e integra), e o governo brasileiro, foi premiada durante a COP13/UNCCD como uma das mais eficazes medidas mundiais para se combater a desertificação do solo e suas graves consequências sociais. O que isso significa? Paulo Pedro – Tenho certeza que foi bem importante para a ASA e para o Brasil receber com o Programa de Cisternas o reconhecimento desse conselho mundial de políticas para o futuro. A gente avançou muito nesses 18 anos da ASA, vemos uma grande diferença na paisagem do Semiárido na promoção da agroecologia em vários territórios, na vida das famílias. Se fosse um governo com visão de trabalhar para o social e para o meio ambiente abriria os olhos para isso. Mas com certeza a nível internacional esse fato político do prêmio credencia a ASA e dá mais visibilidade a nossa ação. Em nossa experiência contou muito esse lastro social, uma política pública que foi criada no seio da sociedade civil e que dialoga com outras políticas. Contribuiu também para levar experiências práticas para a COP. Muitas vezes o governo e a própria ONU focam mais na realização das conferências, nos debates, mas as vezes com pouca ação prática. Mas a nossa experiência vem da dinâmica de ação concreta que combate à desertificação, melhora o solo e muda a vida das pessoas. Caatinga – Que destaques você faz dessa participação? Paulo Pedro – A sociedade civil teve uma boa participação e muitas decisões caminharam para que ela seja ampliada nas próximas conferências. Várias decisões desta COP se comprometeram com um maior apoio e aproximação da sociedade civil, bem contemplada na nova estratégia de atuação da Convenção de Combate à Desertificação (UNCCD), aprovada nesta COP para o período 2018 a 2030. Outro destaque foi a participação e reconhecimento das mulheres, inclusive com o debate sobre o direito das mulheres à terra, porque se reconhece o papel importante das mulheres como guardiães da terra. Um elemento novo e importante foi uma maior participação da juventude, que inclusive realizou um grande Fórum da Juventude Mundial durante a conferência. Um elemento animador a ser destacado foi a criação de um outro fundo para apoiar a implementação da Convenção. Para a realização da convenção já existe o Mecanismo Global, como órgão captador de recursos. E agora foi criado o Fundo LDN, sigla em inglês para “degradação neutra da terra”. A criação deste Fundo se deve aos debates que foram aprofundados sobre a necessidade de se viabilizar recursos para ações concretas de busca da neutralização da degradação dos solos, como prioridade nesta nova estratégia de ação. Ou seja, o combate à desertificação para além das regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, abrangendo também todas as terras do planeta. Uma luta de muitos países para que não se realizem ações e conferências apenas envolvendo países onde têm as terras secas, mas que se olhe para a degradação de terras de uma forma global e geral. Caatinga – Como a experiência do Caatinga, no Sertão do Araripe de Pernambuco, contribui para o combate à desertificação e a mudança de vida da população da região? Paulo Pedro – Desde sua fundação, o Caatinga vem com a visão de construir com as famílias agricultoras para aumentar a capacidade de convivência com o Semiárido. São quase três décadas trabalhando com ações concretas de apoio a experimentação das famílias agricultoras, garantindo que pessoas e comunidades inteiras consigam trabalhar em outra perspectiva, a de conviver de forma digna e sustentável com as condições da região. Pessoas são despertadas para produzir alimentos de qualidade para sua família e para vender em espaços urbanos e oferecer para a sociedade alimentos de qualidade. O Caatinga tem dado sua contribuição atuando junto com os parceiros que são muitos: sindicatos, MST, MPA, movimento de mulheres, movimento de jovens e outros movimentos sociais e ONGs. Conseguimos ter um referencial para construção e incidência em políticas públicas e de participação em redes como a ASA, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Rede de Assessoria Técnica e Extensão Rural do Nordeste (Rede Ater/NE) e espaços de políticas públicas locais, estaduais, regionais e nacionais. Contudo, vejo que precisamos continuar buscando avançar no diálogo e na incidência nas políticas, especialmente no nível dos municípios, além de reforços nos níveis estadual e federal. Pois, agindo assim, estamos trazendo o tema do combate à desertificação, para o centro da pauta política de diálogo e de ações conjuntas com os governos e legislativos municipais e, assim, podermos tocar em frente os quatro eixos da Convenção (UNCCD) e do Plano de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN-Brasil): 1.Superação da Pobreza e das Desigualdades; 2.Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva; 3.Preservação, Conservação e Manejo dos Recursos Naturais; e 4.Gestão Democrática e Fortalecimento Institucional.

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