Os desafios da educação no meio rural em tempos de pandemia

Por Helena Dias

Educação pública, gratuita e de qualidade, um direito nosso e um dever do Estado. O programa Agricultura Familiar em Debate, veiculado no último sábado (26), foi sobre a educação em tempos de pandemia e o CAATINGA contou com a participação de diversas vozes que têm vivenciado os desafios e dificuldades nessa área. Profissionais, alunos e organizações explicaram como tem sido a rotina de aulas online e falaram sobre os seus posicionamentos em relação à volta às aulas na rede pública estadual de ensino, que teve a sua data de início anunciada para o dia 6 de outubro, pelo Governo de Pernambuco, na semana passada.

A data acima é para o terceiro ano do ensino médio, já para os dias 13 e 20 de outubro estão marcadas as voltas do segundo e do primeiro ano, respectivamente. Em assembleia online na última quarta-feira (30), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) decretou greve. Dos 1,5 mil profissionais participantes do encontro, 73% votaram pela paralisação da categoria e a Secretaria de Educação e Esportes pretende dialogar com as trabalhadoras e os trabalhadores na próxima sexta-feira (2).

O diretor da Secretaria de Assuntos Educacionais do Sintepe, Heleno Araújo, afirma que a organização sindical é contrária ao retorno às aulas presenciais sem que sejam feitos os “investimentos necessários na estrutura das escolas para garantir segurança sanitária”. Para ele, a pandemia da Covid-19, só “escancarou” as desigualdades na educação do estado. Há dificuldades tanto para manter a educação à distância quanto para voltar com a rotina presencial.

“Não temos os equipamentos e condições adequadas para as atividades à distância que de fato contemplem todos os estudantes. Uma parte tem acesso à internet e a maioria não tem, isso vai aprofundar uma desigualdade educacional que já existia até mesmo antes da pandemia. Por questões de segurança e para proteger a vida, nós trabalhadores da educação não concordamos com o retorno.”

A falta de equipamentos e condições citadas por Heleno estão presentes na fala do professor Ida, que trabalha em uma escola rural do município de Ouricuri. O planejamento de aulas online feito pela instituição não tem sido colocado em prática por diversos fatores, um deles é que 70% dos estudantes da turma que está sob sua responsabilidade não possui aparelhos tecnológicos para acompanhar os conteúdos. E, muitas vezes, utilizam pacotes de internet móvel que são insuficientes para atender a demanda da educação.

“Nos meses de abril, maio e junho eu enviava as atividades para as crianças e uma maneira possível delas conseguirem responder era por meio do celular dos pais e de tirar as dúvidas comigo. Mas é muito complicado porque elas só pegam no celular dos pais à noite ou final de semana porque os responsáveis estão trabalhando.”

A estudante do campus Sertão do IFPE, Lara Virgínio, também fala do acesso à educação. “Em relação ao contexto nacional, eu fico muito entristecida quando vejo a desigualdade. Até porque eu ainda estou sendo privilegiada de ter acesso à educação de uma maneira confortável. O que me deixa triste é ver a não condição de igualdade entre os jovens brasileiros que não tem acesso aos equipamentos tecnológicos que possibilitem o assistir às aulas.”

Merenda escolar

A gestora de uma escola do município de Granito, Aparecida Cordeiro, afirma que tem convivido com os desafios impostos pela pandemia. Segundo ela, não tem sido fácil para ninguém. Nem para as escolas, nem para as famílias e profissionais da educação e muito menos para as alunas e os alunos. Entregar de maneira segura para a saúde os kits de alimentação destinas às famílias dos estudantes é um compromisso.

“E assim a gente vive fazendo muitas visitas, sem adentrar na casa das pessoas. Pela porta e até na calçada a gente vai perguntando como a escola pode ajudar e o que está acontecendo, o porquê das atividades não serem acompanhadas todos os dias. Outro desafio também é que a gente recebe da secretaria de educação municipal os kits alimentação.  Divulgamos para os pais fazendo a distribuição e pedindo todo o cuidado. Os que estão mais distantes a gente entrega. O que vemos é um cenário bem difícil para a volta às aulas por falta de vacinas e pela insegurança dos pais que responderam uma enquete concordando em não voltar.”

A secretária de Educação também de Granito, Francisca Antônia, mais conhecida como Tica de Caxias, explica que estes kits tem sido custeados com os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A composição dos kits foi baseada em uma cartilha de distribuição de merenda escolar do Tribual de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e nas orientações de uma nutricionista. Francisca conta que nem tudo dá pra ser seguido, como é o caso da compra de carnes da agricultura familiar.

“Os membros do conselho de alimentação escolar se reuniram com os gestores acompanhados de uma nutricionista e aí a gente fez a composição do nosso kit. Levantando a quantidade de alunos, a nossa nutricionista fez um cardápio atendendo o máximo possível das orientações nutricionais. Claro que tem algumas coisas que são colocadas na alimentação que a gente não pode colocar no kit, tipo carnes oriundas da agricultura familiar. E aí esses outros produtos entregues nas escolas são distribuídos mensalmente seguindo as regras da vigilância sanitária.”

O acesso aos kits entregues pela prefeitura é uma questão para algumas comunidades mais afastadas dos centros dos municípios. A estudante de Agroindústria do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), no campus de Ouricuri, Camila Gonçalves, fala da situação nos arredores do Sítio Cova do Anjo, onde mora.

“A gente tem o auxílio alimentação e o auxilio creche que continuam sendo oferecidos mesmo durante a pandemia, o único suspenso foi o auxílio transporte. Aqui na comunidade tem várias crianças que receberam o cartão alimentação que foi ofertado pelo governo e tem outras que estudam na rede municipal e receberam uma só vez. Pelo o que mães falam, não teve continuidade. E, além disso, no dia que teve continuidade da entrega dos kits elas não conseguiram buscar porque mesmo sendo distribuída em pontos estratégicos ainda assim ficou muito distante. Eu acredito que essa situação não é apenas na minha comunidade, mas também em outras.”

Fundeb

Mesmo diante de tantos dilemas na área de educação, o coordenador do Comitê Pernambuco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Avanildo Duque, chama atenção para uma conquista que é o resultado de muitos anos de luta. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) que foi aprovado no dia 20 de agosto, por meio da Emenda Constitucional 108, trouxe mudanças significativas para o setor.

“A aprovação tornou o Fundeb permanente, isso significa que não precisaremos fazer mobilizações daqui a dez ou cinco anos para garantir recursos para a educação básica. Aumentou o fomento da União, que hoje é de 10% e vai crescer gradativamente até 23%, de acordo com os municípios que mais precisam. Constitucionalizou o custo do aluno qualidade como parâmetro para financiar a educação pública. Esse custo vai dizer o que as escolas devem ter, independente de onde elas estejam, para atender a um padrão de escolas públicas de qualidade.”

Para mais informações sobre o tema, escute o nosso programa de rádio veiculado no dia 19 de setembro deste ano: https://bit.ly/programa26092020

O programa Agricultura Familiar em Debate é transmitido todos os sábados, às 7h, na na Rádio Voluntários da Pátria FM 100.9 Ouricuri/PE. Você pode ouvir no mesmo horário pela internet: http://www.radios.com.br/play/

Foto da matéria: Divulgação/MCTIC

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